segunda-feira, 24 de março de 2014

Carta para um futuro não muito distante

"Eu reformei a casa, você não soube disso. Nem das outras coisas.
Sabe, eu tive um filho. Faz tempo que eu me perdi de você..."

Senti um frio indescritível na noite em que você partiu. Me lembro bem de como fez aquela mala às avessas, cheia de sonhos e camisas surradas, todas bem amontoadas.
Disse-me que eu deveria ter paciência, que o tempo passaria rápido, que você voltaria logo e eu, cegamente acreditei. Senti que seu abraço foi o mais apertado que conseguiu forçar e o beijo no rosto, o mais longo. E quando acabou, ainda estava de olhos fechados, e então reparei suas pálpebras pulsantes. 
Colocou a velha mochila jeans nas costas, o boné preto na cabeça, e saiu pela porta da sala de estar (onde não mais estaria). Exitou por meio segundo e olhou para trás, me observando em todos os ângulos que os olhos conseguiam. Disse as três palavras que eu nunca esquecerei, por mais batidas e clichês que fossem: "Eu-amo-você".

Se quer mesmo saber, não sou ninguém para duvidar do que disse. Afinal, se você duvidar do que eu sentia naquele momento, eu lhe serei muito rude a dizer que não sabe o que é o amor. E isso machucaria aos dois. Por isso não duvido que foi sincero.

Passaram-se dez anos desde então, e a última notícia que tive foi a ligação de quatorze de fevereiro, enquanto eu cozinhava o jantar, dizendo: "Estou bem, não se preocupe."
Acho que ainda não entendo o que é amor. Conheci outra pessoa, me casei, tive filhos, mas penso em você todos os dias, incessantemente. Quer que eu repita? EU-PENSO-EM-VOCÊ. Penso em como seus cabelos devem estar brancos e lembro que aquela pulseira que usava já não deve te servir mais. Penso se você pensa em mim. Se reflete sobre o seu ato de dizer que ama alguém. Penso se eu ainda existo aí dentro de você como você vive aqui, nesse quarto empoeirado que guardei dentro d'alma.
Qualquer dia, se der, volta pra buscar as coisas que esqueceu no armário do banheiro e na cômoda envernizada.  Entra de mansinho, e se eu estiver dormindo no sofá, por favor não faça barulho.
Mas se me ver andando por aí, não atravessa a rua não. Pode ser que eu ainda queira sentir seu perfume.


Jurei diversas vezes que não mais escreveria a respeito o amor. Mas, você continua sendo a razão pela qual eu escrevo, repetidamente, sobre o sentimento que me faz pensar em porque não escrever sobre você. 


Nenhum comentário: