Em um determinado momento, percebi nitidamente que ele havia perdido a
si mesmo depois daquele amor imenso que não era amor. Aquele rapaz que se
trabalhou e se moldou por anos, havia partido. Como um amigo próximo que decide
viver no exterior e faz as malas com esperança, ele se sentiu indo embora.
Parou de se olhar no espelho, vestia as mesmas roupas surradas sem nunca se
cansar, apanhava o jornal e dizia “bom dia” numa solidez incontestável. Mas
estava vazio. Saía de casa e voltava como alguém que vive com o vento. Sempre
indo e vindo, invisível. Era sentido por poucos. Me sorria, tocava e olhava com
raridade. Vivia por viver. Aliás, existia por existir. Estava ali. E era só.
Um dia desses, entre uma pausa e outra de todas as tarefas do meu dia,
tentei criar uma teoria sobre o sumiço dele. Daquele “ele” de anos atrás. Uma
teoria sobre essa falta que ele faz, me faz, se faz. Lembrei de quando achei
que tinha achado alguém que me bastava. Queria ficar na minha e ficava. Só
pensando na gente. Sabe? Não o culpo não. Acho que todo mundo já meio que teve
uma fase assim. Quase todo mundo já achou que uma história era tudo e descobriu
no fim das contas que não era quase nada. Viu que a semente nunca que vingava.
Era carência, solidão, vontade imensa de encontrar alguém com os mesmos sonhos.
Só não era amor. Não o culpo porque entendo perfeitamente esse turbilhão de
coisa dentro da gente. Isso de quando cai a ficha e bate a vontade de ir embora
de si. Entendo esse mundo que uma hora é alegria, outra hora é tristeza, uma é
leveza, outra furacão e na outra hora passa. Passa tudo e fica um breu pra
gente encher de novo de outras coisas que dão esperança. Não o culpo porque eu
quero muito que ele encontre a esperança. Quero que aquele cara de anos atrás
volte logo de viagem e se encontre novamente. Seja aqui do meu lado ou seja do
outro lado do estado, do país ou do mundo. Eu nem sei onde ele tá agora. Não o
culpo por ter ido embora.
Acho que fui me acostumando. Não que seja algo bom se acostumar com esse
tipo de coisa. Mas me dei conta de que não devemos esperar nada além de
atitudes vindas de nós mesmos. Entende o que quero dizer? Digo que depois que
ele foi embora de si, estava bem na cara que não ia ligar se eu dissesse que
descobri que gostava mesmo de dele. Mas eu disse. Ele não ligaria se eu pegasse
a parte do cobertor bem no meio da noite. Mas peguei. Não ligaria se eu
chegasse de surpresa e cheguei. E daí eu não esperei mais nada. Fiz minha parte
e agora estou seguindo em frente. Não o culpo por ter feito o mesmo. Mesmo que
só. Só de si mesmo. Quero que ele se encontre, que arranje um motivo novo para
sorrir e que deixe de reclamar como reclamava. Não o culpo por dizer que me
amava. Acho que todo mundo já meio que teve uma fase assim. Achou que era um
começo e na verdade já era o fim.