sábado, 29 de agosto de 2015

Vigésimo Andar (Ou "Ciclo")

¨Sentir perder
Reconstruir
E caminhar pro que virá...¨ 

O despertador tocou às seis da manhã. Ele abriu os olhos, desligou o aparelho automaticamente e olhou para o lado. Uma fresta na janela permitia a entrada dos primeiros raios de sol e os mesmos iluminavam a face de uma moça adormecida. Ele a olhou com admiração e não conseguiu evitar um sorriso. Era ela. Por um instante quase não acreditou. Esfregou as mãos nos próprios olhos e passou os dedos com cuidado no topo de sua cabeça. Sim, era ela e não havia a possibilidade de ser um sonho. Tanto não havia essa possibilidade que ele caiu em si instantes depois, levantou tentando fazer o menor barulho possível, pé por pé foi ao banheiro, vestiu o resto de roupa que lhe faltava, pegou a mochila, colocou a boina amassada, olhou mais uma vez para a cama, disse um adeus entredentes, sorriu novamente e abriu a porta.
Estava no vigésimo andar. O corredor era tão silencioso quando o seu coração, com a incrível coincidência de conter todas as portas trancadas e uma única recentemente aberta. Ele caminhou com precaução. O andar era um campo minado. Qualquer um que o encontrasse ali se espantaria com sua presença. Por isso ele escolheu as escadas e evitou o elevador. Ninguém desce aquela escada escura e assombrada. Só mesmo quem pretende fugir de algo. Não que ele quisesse fugir. Precaução seria a palavra certa. Desceu com calma. Saiu pelo portão do prédio e seguiu a rua deserta. 

Naquele momento, absolutamente nada passava por sua mente. O recente despertar e a atual leveza de sua alma deixavam para trás todos os pensamentos. Desde o dia da semana e o horário até o seu último sobrenome. Nada constava. Todos os arquivos repousavam em algum lugar esquecido da mente e voltariam assim que ele desse conta de que precisava ir para o trabalho naquele mesmo dia.
Quando foi mesmo a última vez que sentira aquilo? Ou será que ele nunca tinha sentido?
De qualquer forma ele compreendeu que é preciso tempo e paciência para receber de cabeça aberta e compreender algumas sensações. E coragem para aceitar que boa parte delas só nos encontra quando permitimos.
Ele sabia que fechara muitas portas nos últimos tempos. Sentia arder algumas cicatrizes recém-formadas. Ainda se emocionava com aquela música de 2 minutos e 56 segundos. Desenterrava o passado relendo todas as pequenas anotações do bloco de papel socado no meio das tralhas na primeira gaveta do guarda roupa. Mas mesmo em meio a um certo descontrole, meditava pela manhã. Tomava agradecido os primeiros raios de sol sentado na grama do prédio e orava. A última atividade por conselho da mãe.

Ele acreditava no ciclo de coisas boas que a vida dá se você permite. Ele permitiu e a vida o fez perceber. Teve desejos intensos os quais realizou, aproveitou e viu, não muito contente, o fim de cada um deles. Mas surgiram outros tão rapidamente que ele não teve tempo de lamentar os passados. Ela foi um desses desejos. E ele a teve. Mas era a hora de dizer adeus.
Mais um ciclo sem encerrava e ele se sentia grato por tratar a situação com delicadeza e principalmente com um sorriso no rosto. Sempre achou desnecessário que pessoas inocentes sofressem com o seu mal humor. Aprendeu a ser discreto até mesmo ao sofrer. E assim, sorrindo ou chorando, ele sentiu que mais uma vez seria capaz de continuar. Independente de qual fosse o caminho que tivesse a seguir.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Redoma

"Where there is desire there is gonna be a flame
Where there is a flame someone's bound to get burned
But just because it burns doesn't mean you're gonna die
You gotta get up and try, and try, and try..."


Não vim ao mundo pra sair ilesa e não me machucar.
Já está decidido: sei me recuperar.
Disse o querido Antônio Prata: "...pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder." 
Se tô aqui, é pra tentar, acertar e errar. E não importa quantas vezes eu precisarei tentar e assim conhecer diversas formas de não fazer até chegar ao certo. Se é que o certo vá ser tão certo assim. Ninguém é perfeito.
O pensamento de criar redomas em volta de si com o intuito de se proteger após uma decepção agora é tido por mim como uma inútil e irrefutável besteira. Não posso fechar meus olhos se todas as coisas boas esperam que eu esteja de olhos bem abertos para enxergá-las (tudo bem que as coisas ruins também, mas já não quero evitá-las).
Não posso me trancar nesse mundinho que criei toda vez que algo der errado.
Preciso reordenar os móveis, fazer faxina periodicamente e dar o sinal verde para que tudo, sem exceção, possa caber aqui dentro. Qualquer coisa há de trazer complemento ao que já tenho.
Esse "mundinho" tende a crescer. E não, eu não quero mais trancá-lo. Quero tirar o pó cantando "Who Knew" da P!nk (e dane-se que isso pareça um tanto quanto brega), jogar perfume floral nos cantinhos, deixar o almoço queimar e até bater o dedinho na quina do sofá.
Já está decidido: quero que tudo aqui aconteça.
Afinal, não vim nem criei esse mundo para sair ilesa.


"É preciso que eu suporte duas ou três lagartas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas." - O Pequeno Príncipe