segunda-feira, 26 de maio de 2014

Recordação


“Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado”, ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: “Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado”.

Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: “Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás… Fazer o que, né? Se Deus quis assim…”.

Houve um breve silêncio, enquanto ultrapassávamos um caminhão de lixo e consegui encaixar um “Sinto muito”. “Obrigado. No começo foi complicado, agora tô me acostumando. Mas sabe que que é mais difícil? Não ter foto dela.” “Cê não tem nenhuma?” “Não, tenho foto, sim, eu até fiz um álbum, mas não tem foto dela fazendo as coisas dela, entendeu? Que nem: tem ela no casamento da nossa mais velha, toda arrumada. Mas ela não era daquele jeito, com penteado, com vestido. Sabe o jeito que eu mais lembro dela? De avental. Só que toda vez que tinha almoço lá em casa, festa e alguém aparecia com uma câmera na cozinha, ela tirava correndo o avental, ia arrumar o cabelo, até ficar de um jeito que não era ela. Tenho pensado muito nisso aí, das fotos, falo com os passageiros e tal e descobri que é assim, é do ser humano, mesmo. A pessoa, olha só, a pessoa trabalha todo dia numa firma, vamos dizer, todo dia ela vai lá e nunca tira uma foto da portaria, do bebedor, do banheiro, desses lugares que ela fica o tempo inteiro. Aí, num fim de semana ela vai pra uma praia qualquer, leva a câmera, o celular e tchuf, tchuf, tchuf. Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não? Tá acompanhando? Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo novela, mas tem uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga. Entro aqui na Joaquim?” “Isso.”

“Ano passado me deu uma agonia, uma saudade, peguei o álbum, só tinha aqueles retratos de casório, de viagem, do jet ski, sabe o que eu fiz? Fui pra Santos. Sei lá, quis voltar naquele bar.” “E aí?!” “Aí que o bar tinha fechado em 94, mas o proprietário, um senhor de idade, ainda morava no imóvel. Eu expliquei a minha história, ele falou: Entra’. Foi lá num armário, trouxe uma caixa de sapatos e disse: É tudo foto do bar, pode escolher uma, leva de recordação’.”

Paramos num farol. Ele tirou a carteira do bolso, pegou a foto e me deu: umas 50 pessoas pelas mesas, mais umas tantas no balcão. “Olha a data aí no cantinho, embaixo.” “1º de junho de 1988?” “Pois é. Quando eu peguei essa foto e vi a data, nem acreditei, corri o olho pelas mesas, vendo se achava nós aí no meio, mas não. Todo dia eu olho essa foto e fico danado, pensando: será que a gente ainda vai chegar ou será que a gente já foi embora? Vou morrer com essa dúvida. De qualquer forma, taí o testemunho: foi nesse lugar, nesse dia, tá fazendo 25 anos, hoje. Ali do lado da banca, tá bom pra você?”


sexta-feira, 23 de maio de 2014

Escrito nas estrelas

"She works at hot topic
His heart microscopic
She thinks that it's love but to him it's sex"


Dizem por aí que nada na vida é por acaso. Mas é estranho pensar que a história de Amanda e Marcos não estava prevista. Não haviam dados suficientes no horóscopo, se pudessem traçar um mapa astral as constelações confundiriam qualquer bússola e bem na época Mãe Dináh já havia partido dessa pra uma melhor. Ninguém nunca escreveu um livro que contasse coisa parecida e nem mesmo revistas para adolescentes colocariam em seus "testes" uma possibilidade dessas. Aconteceu há duas semanas atrás e, a meu ver, não tornará a acontecer novamente. Infelizmente. Foi uma história curta, sem dramas, sem coadjuvante, sem cenário, sem cachê. Uma história de fazer inveja em qualquer um que se atreveu a sofrer por amor durante anos e também àqueles que vivem histórias de uma noite. Aliás, está aí um detalhe que não posso deixar passar despercebido: Amanda sofre há anos por uma pessoa e Marcos sempre vive histórias de uma noite. Então, por que diabos eles se olharam aquele dia, no trabalho, e pensaram absolutamente a mesma coisa?! O psicólogo de Amanda havia dito para não se precipitar e a melhor amiga de Marcos aconselhava que ele procurasse urgente por um romance duradouro. Mas nenhum deles pensou nos conselhos. Naquele momento, parados no fim do turno e sozinhos no escritório, só pensavam que poderia sim haver uma história de amor entre eles, mas que fosse confortável aos dois. Amanda decidiu que não sofreria, e Marcos, por sua vez, decidiu que não se apaixonaria. Perfeito. Ele se levantou, foi até a mesa dela, se sentou e disse, sem nenhuma introdução: 
_ Ouviu o que eu disse hoje, na hora do almoço?
_ Você foi transferido para outra cidade - respondeu ela sem nenhum questionamento
_ Fico só mais duas semanas. Quer sair comigo? - disse ele meio rápido demais
_ Ah, sim, claro. Aonde quer ir? - respondeu ela na mesma velocidade
_ Não sei, talvez ali, no restaurante da esquina.
Dito isso, se levantaram. Ele dobrou o braço para deixar que o dela se acomodasse no vão, e partiram para o encontro. Conversam por horas à fio, até que ele a roubou um beijo. Foi um beijo bom, sereno e sem muita baba. Não foi daqueles de filme, mas Luana sentiu que também não era qualquer beijo bobo. Encaixaram-se ali por alguns minutos e, pensando novamente em conjunto, decidiram que não falariam sobre o assunto. Tantas outras preocupações e pensamentos dentro de cada um, que falar sobre aquilo demandaria tempo e distração. Por isso decidiram viver essa história com tempo limitado de uma maneira leve e sutil, sem "DR's" ou exigências. Viveram, apenas, aquele romance improvisado, imprevisto e ligeiro. E descobriram em um curto tempo que a vida precisa ser aproveitada sem muitas complicações. Porque, querendo ou não, um romance "escrito nas estrelas" sempre tem chateação.



sábado, 17 de maio de 2014

Subterrâneo

"Eu quero te olhar de um lugar diferente
Eu quero a chave, a chave da porta da frente"

Eu sei que um dia vai acontecer. Um dia vamos nos ver longe uns dos outros. Já aconteceu uma vez em minha vida e pode/vai acontecer de novo. Eu me verei longe dos meus amigos. Acordarei em um belo dia ensolarado e terei vontade de telefonar para dizer que gostaria de tomar um café com os pães acumulados, que nós deveríamos fazer um almoço daqueles bem gordurosos, ver clipes antigos com os quais nos divertíamos quando tínhamos nossos quinze anos e depois alguns filmes de terror, e no fim do dia, quando estivermos bem cansados de olhar um para a cara do outro, pedir algumas cervejas e rir bastante de assuntos completamente aleatórios. Vou sentir falta principalmente das risadas, mas garanto que quando me der vontade de chorar, também me lembrarei de vocês. Porque ontem eu tive muita vontade de chorar quando saí do trabalho, mas aí eu resolvi me refugiar ao lado de vocês e passou. Ficou tudo bem. Quem me dera se eu pudesse ter para sempre um lugar para fugir. Um lugar para voltar a ser criança. Para ser um pouco máscula. Um lugar para ter uma escova de dente e uma cama à disposição. 
Eu realmente não sei muito bem qual a intensão do destino quando fez aquela porta se abrir pra mim. 
Logo eu, tão acomodada com a sensação se incompletude, me vi completa com vocês. 
Mas um dia vai acontecer: me verei longe de todo esse afago, compreensão e completude. Porém, quero logo deixar claro à cada um de vocês que não haverá distância para diminuir a gratidão pelos olhares reconfortantes, pelas palavras de animação, aprendizados úteis e inúteis, sorrisos e abraços. 
Quando houver distância, serei um pouco triste sim, mas por um dia ter encontrado amigos tão sinceros, me sentirei contente. E poderei contar à todos que se apresentarem em minha vida daqui pra frente que de uma casa que não era minha, eu já tive a chave. A chave da porta da frente. 

"Amizade é a semente que eu rego, o amuleto que eu carrego e alimenta minha crença
De que a força dessa cumplicidade
É o que faz a diferença".

sexta-feira, 16 de maio de 2014

I Promise

"You took my hand, you showed me how
You promised me you'd be around
Uh huh...That's right..."


Já reparou que a humanidade está cheia de promessas não cumpridas? As pessoas se revoltam porque políticos não cumprem promessas, mas não cumprem se quer a promessa de começar a dieta na segunda. Prometem que se vier mais grana mês que vem, vão ajudar um asilo mas não alimentam os próprios parentes idosos que necessitam de atenção. Prometem paz, mas compram brigas bestas com o vizinho. Prometem educação aos filhos, mas não dizem "bom dia" no elevador. Prometem amor, mas se vão.
É assim e sempre vai ser. Nós nem nos damos conta da quantidade infinita de promessas não cumpridas.
"Promete que vai me escrever?" "Prometo!"
"Promete que vai ficar aqui até eu dormir?" "Prometo."
"Promete que não vai acontecer de novo?" "Prometo."
"Prometo amar-te e respeitar-te, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza..."  Putz, quanta besteira.

Daí, algumas pessoas passam a prometer que não prometerão nada sem que seja possível cumprir. Bobagem. Está mais do que na hora de nos darmos conta de que não damos conta de cumprir algumas promessas.
Me lembro de prometer que te daria um abraço todos os dias nos quais você se sentisse triste e, cara, não dá pra acreditar que hoje eu passo horas sonhando com abraços nos dias em que me sinto assim.
Prometi que não falaria palavão, mas me arrisco em milhões de mal dizeres quando queimo o arroz ou perco um ônibus.
Prometi que, depois daquele desastre, não amaria ninguém. E amei mais do que pude imaginar.

Prometer menos e fazer mais: eis minha proposta.


domingo, 11 de maio de 2014

Não fazia sentido

_ Tudo bem, eu sei que já se passaram alguns anos, que você está em outra a séculos, que nossas vidas mudaram completamente, que nossos planos nunca vão bater de novo como batiam antes e que você nunca vai me olhar novamente daquele jeitinho que me olhava... mas já que estamos aqui, posso te fazer uma pergunta?
_ Pode sim - respondi já sabendo o que viria em seguida.
_ Por que você terminou comigo? Sabe, nós nunca tínhamos brigado nem nada... fazíamos planos, cartas, declarações, e de repente você veio com aquela história de que queria um tempo. Foi confuso à beça. 
_ Olha, eu sei que foi confuso. E não foi só pra você, acredite. Porém, já que estamos aqui, vou tentar explicar. Prometo que vou tentar. Mas se eu não conseguir, peço que não guarde essa mágoa. 
_ Não guardo mágoa. Só guardo essa dúvida mesmo. E dúvida é diferente de mágoa.
_ Oquei. E preciso deixar claro também que você foi uma pessoa muito importante. Muito mesmo. Eu enfrentei muitos medos por você e descobri sentimentos que até hoje não consegui encontrar algo que se assemelhe. Caramba, não consigo e nunca vou conseguir. Inocência, entende? Fazia bem pra alma até.
_ Está tão claro quanto sempre esteve da minha parte. Prossiga.
_ Eu te amava muito, cara. E antes que você faça aquela expressão de dúvida que com certeza eu reconhecerei, digo que sei o que o amor significa. Significa que você quer ter a pessoa sempre por perto, cuidar, agradar, sorrir. Significa também que não é um sentimento superficial e que abraçar alguém que amamos nos leva à outra dimensão. Eu sei o que é o amor. 
_ Eu também tô ligado. Mas, se me amava, se me queria sempre por perto, porque fez aquilo?
_ Quando paro pra pensar no que fiz, eu simplesmente chego à conclusão de que eu não queria você perto das minhas dúvidas e da minha amargura. Eu sou amargurada demais e tenho dúvidas sobre o que quero ser e o que devo sentir. O amor não era uma dúvida, mas foi o motivo que me fez desistir. Se não tivesse acabado naquela época, nós possivelmente estaríamos juntos até hoje. E isso me faz sentir uma dor terrível de ter te deixado. Mas ao mesmo tempo penso que se vivesse comigo hoje, seria você à terminar o relacionamento. Eu sou um poço de incertezas.
_ Não sei como seria se ainda estivéssemos juntos e ainda não faz sentido algum essa sua explicação. 
_ Você acabou de colocar sentido. O sentido é que não faria sentido continuarmos juntos. O amor pode estar intacto, mas a vida nos leva à crer que mais cedo ou mais tarde, um outro sentimento há de nos consumir: a dúvida.
_ Então você continue aí com essa dúvida que eu vou viver as minhas certezas. E quer um conselho? Não se prende muito à ela, ou vai acabar sozinha.
_ Já me prendi e é tarde demais para tal conselho. Mas agradeço e, por último, se não for incômodo aos seus ouvidos, peço as desculpas que nunca pedi. Me desculpe por te decepcionar.
_ Aceito as desculpas e por último, se não for incômodo aos seus ouvidos, digo o que nunca te disse. Seja feliz.
Dito isso, pegou as alças da mala preta e entrou no ônibus que ia rumo a São Paulo. Um pequeno pássaro que passava tentou me convencer de que eu devia pedi-lo para ficar. Mas não fazia sentido aquele pedido e ele partiu para nunca mais, ou quem sabe, para um dia em que as coisas se esclareçam de verdade.




sábado, 10 de maio de 2014

Amor em liquidação! Só que não.

A limitação é um dos problemas da humanidade. E a limitação dos sentimentos é o pior deles. 
Se você ama alguém, é só falar. Se não ama, fale também. A ordem de não limitar sentimentos não deve, veja bem, se limitar também. Aproveite que o dia das mães está chegando e não limite seu sentimento por ela. Não digo para comprar um presente caro, um Camaro ou a coleção completa de figurinhas da copa, só digo para falar que ama. Mães adoram ouvir essas coisas, e olha, eu garanto que é um presente e tanto. Elas tem um instinto além do qual supõe nossa vã filosofia. Mas se não puder falar, é bom agir. Um ato fala mais que um trilhão de palavras, vai por mim. Faça o jantar, um bilhete em forma de coração ou um cafuné. Eficiente é.

Já com os amigos, tente ao menos participar da "pelada" de fim de tarde para o qual foi convocado. Demonstre que se importa com coisas simples. Tenha o costume de telefonar para os que moram longe, já que com frequência você tem boas recordações. Visite os que moram perto, leve um bolo, um chocolate ou, como no caso da mãe, um carinho também pode servir. Faz um bem danado se permitir.

Quanto aos namorados, maridos e amantes de uma forma geral, deixe claro o que sente, o que essa relação tem que ser e até onde deve chegar. Limitar algumas demonstrações em relacionamentos é uma forma de desilusão tão óbvia que chega a me dar ânsia.

Mas tenta ver se não exagera, tudo bem? Não é porque a ordem é não limitar os sentimentos que você vai sair por aí falando que ama todo mundo e agindo como se amasse, aparentando uma coisa comum. Amor não precisa ser limitado, mas também não deve ser como imitação de coisas caras vendidas à liquidação na Avenida 25 de Março que causam polêmica. Porque "amor" pode até parecer, mas não é uma palavra polissêmica.


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Óbvias ou inexplicáveis?

A maioria das pessoas são tremendamente complicadas. Vai dizer que não são? Vejamos o caso do Daniel: sempre foi o conselheiro da galera. Se um amigo era afim de uma garota, Daniel dava dicas do tipo: "Cara, pede o telefone e manda uma mensagem dizendo que gosta dos olhos dela." ou "Vai devagar, não se afoba não, tenta ver se ela gosta de cinema...", mas Daniel nunca namorou e nem mesmo conseguiu conquistar alguém de seu interesse. Porque a vida não é bem assim. Algumas meninas não gostam de elogios melosos, outras não gostam de cinema e algumas preferem até que as coisas sejam bem rápidas.  E não são só as mulheres o centro das complicações. Ta aí a Virgínia que não me deixa mentir: namora há quase cinco anos com o Rafael e até hoje se perde ao escolher um presente em datas comemorativas. Ele quase sempre faz uma cara de indiferente quando abre. Isso quando não pergunta se pode trocar na loja. Sem contar as vezes que ele trocou. Se ela escolhe alguma coisa que ele gosta, de repente percebe que ele perdeu, quebrou ou deixou, sem querer, o tal objeto cair em um navio que ia para a Ucrânia. Outro bom exemplo é a filha da empregada lá de casa. A bela criatura divina estava em Goiás cursando agronomia, aparentemente feliz da vida e sem mais nem menos (sem muito nem pouco), faz as malas e foge para o Paraguai com o namorado acriano. Dona Graça ficou louca da vida. Disse que agora ela arrumou um emprego de vendedora ambulante e diz com todas as letras que não há lugar melhor de se viver do que Assunção. As pessoas são mesmo uma complicação. 
Durval casou-se sem saber o filme preferido da esposa; 
Antônio trabalhava com contabilidade mas largou tudo para escrever um livro de poesias;
Amélia quer viver o resto da vida em Santa Maria dos Conqueiros, onde não existem garrafas pet, celulares ou isopor; 
Cristiano ama dançar, mas vai fazer medicina veterinária porque é o sonho da mãe ter um filho doutor;
Ana Júlia é apaixona pelo Leonardo, mas vai deixar ele fazer o intercâmbio e se declarar só quando ele voltar;
Leonardo ama Ana Júlia, mas acha que vai levar um fora e por isso não vai perder a oportunidade de estudar na Espanha.
Realmente existe muita gente estranha.




segunda-feira, 5 de maio de 2014

Quando tudo terminar

"Onde estiver, sabe que eu sempre estarei aqui. Mesmo que o tempo te levar..."

Teve um começo, um encontro, um olhar. Teve sua mão áspera, beliscões, sorrisos, lágrimas. Teve juventude, vontade, carinho. Teve ódio. Teve nós dois, sentados, nos olhando. Teve beijo, abraço, música, canto. Teve carta, e-mail, conversa de portão. Teve tudo isso, menos um fim. Já parou pra pensar que não teve fim? Eu penso nisso todos os dias, durante todos esses anos.

Sabe, eu lhe seria muito grata se um dia você me ligasse ou batesse no meu portão, ou mandasse uma mensagem, um sinal de fumaça, uma carta em uma garrafa, e dissesse com todas as letras que acabou. "Acabou, adeus. Até nunca mais". Pode falar baixo, você sabe que nunca gostei de escândalos, sabe que tenho ouvidos sensíveis. Pode escrever com aquele garrancho que você chamava de letra. Eu deixo você me mandar um e-mail e acharia até bem doce da sua parte se me escrevesse uma música. O importante é deixar claro que acabou. Seu silêncio todo esse tempo me deixou confusa, ludibriada, iludida pela possibilidade de uma história que não foi. Um história que começamos a construir e de repente... bum! A vida tirou você de mim... quero dizer, dessa vez preciso admitir que quem partiu fui eu. Mas esperei enquanto fazia as malas. Aguardei por uma ligação que nunca veio, dizendo que eu deveria ir, mas que não, não acabaria ali, ou simplesmente que sim, acabaria. Uma ligação contendo uma decisão da sua parte. Mas ficou tudo no ar, feito neblina. 

Gostaria de te contar que meu tempo por aqui vem acabando. Fiz tudo o que devia e agora, se você pedir, eu refaço as malas e volto. Voltamos a contar nossos números de onde paramos. Nos encontramos na esquina de sempre e seguimos dali, dessa vez, juntos. Mas se não quiser, se achar que é tarde demais, que o tempo passou, se ver que meus planos são melhores do que os seus, se constatar que quem eu tenho ao meu lado hoje pode me fazer mais feliz do que você, "tente mostrar que nada restou", anda, levanta daí, não seja covarde de me dizer isso. Eu só preciso ouvir pra seguir em frente. Mas antes, espera um minuto, tenho um segredo pra te confidenciar. O último segredo se me garantir que nunca mais entrará por aquela porta. Lá vai: eu não te amo. Mas um dia eu quis. E você me deixou do lado de fora, na chuva. Sem um "sim" e nem mesmo, veja só, um "não". 

Poço desculpas porque você sabe mais do que ninguém que de tempos em tempos eu arrumo um jeito de descarregar essa raiva que sinto da nossa história com estruturas de massinha à base d'água. Mas eu repito que serei grata se disser que acabou. Pode dizer que foi naquele momento em que virei as costas no parque, acabou quando desliguei o telefone no dia que liguei para contar sobre a nova cidade, acabou enquanto você tomava uma coca há quatro semanas atrás. Pode ter acabado a qualquer momento, eu não me importo. Só faça o que eu peço, e, "quando tudo terminar", eu poderei seguir o meu caminho e contar à quem quiser ouvir, tomando café em xícara de marfim, que vivi uma bela história, de início, meio e fim


domingo, 4 de maio de 2014

Vai Passar

"Olhe, não fique assim não, vai passar. Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai aguentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar. (Fernando Pessoa escreveu, num momento parecido, "hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu"). Dor é assim mesmo, arde, depois passa. Que bom. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. Que pena. A gente acha que não vai aguentar, mas aguenta: as dores da vida. 
Pense assim: agora tá insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, encarnar numa samambaia, virar um paralelepípedo ou qualquer coisa inanimada, anestesiada, silenciosa. 
Mas agora já passou. Agora já é dez segundos depois da frase passada. Sua dor já é dez segundos menor do que duas linhas atrás. Você acha que não, porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá lá longe. A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, essa sensação de que pegaram sua traquéia e seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo – é difícil de acreditar, eu sei – vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias. Levante-se daí, vá tomar um picolé, ler uma revista, dar um pulo no mar. Quando você for ver, passou. 

Agora não dá mesmo pra ser feliz. É impossível. Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre? Isso é bobagem. Como cantou Vinícius: "É melhor viver do que ser feliz". Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, eu sei como dói. Mas passa. Tá vendo a felicidade ali na frente? Não, você não tá vendo, porque tem uma montanha de dor na frente. Continue andando. Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço. Vai querer desistir, mas não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo a montanha começa a diminuir e o único jeito de deixá-la pra trás é continuar andando. Você vai ser feliz. Tá vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto de agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. 
Juro que tô falando a verdade. Eu não minto. Vai passar."


Sobre o autor desse texto: 
Antonio Prata (São Paulo, 24 de agosto de 1977) é um escritor e roteirista brasileiro.
Filho dos também escritores Mário Prata e Marta Góes, cursou Filosofia (na USP), Cinema (FAAP) e Ciências Sociais (PUC-SP), mas não chegou a concluir nenhuma das faculdades.
Em novembro de 2013, publicou o livro de crônicas semi-memorialísticas "Nu, de botas", pela editora Companhia das Letras, que é meu atual livro de cabeceira e o único livro da minha história que parei no meio para reler e não acabar tão rápido s2

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Até mais ou até nunca mais


"So take the photographs and still frames in your mind
Hang it on a shelf of good health and good time..."


Tenho uma verdade pra vocês: as pessoas vão embora. E não digo isso no sentido de que todas vão morrer, até porque eu não preciso repetir obviedades. Elas simplesmente se vão. Tomam outra direção, abrem mão de lugares para estarem em outros. Conhecem outras pessoas. A lista do pessoalzinho que você ama hoje pode não ser a mesma daqui a cinco anos. Sem incluir família. Ou incluindo, se decidir que as coisas mudaram de um tempo pra cá entre as pessoas que têm o mesmo sobrenome que você. É bom contar, mas tenha cautela e conte devagar, começando por seus amigos do colégio. Alguns estão passeando por aí ainda. Outros nem tanto. Alguns nem se quer começaram a faculdade, outros já estão no doutorado. E as redes sociais só mostram o quando eles são "felizes" (ou demonstram ser). Uns tem telefone, outros moram tão longe que o sinal não está mais funcionando, tsc tsc. Quantos já chamamos de amigo e hoje, se vemos na rua, não passa de um "bom dia" frouxo, sem vontade de parar para conversar? Sem vontade de saber o que o outro faz da vida. Aquela galera que jogava futebol e fazia as traves do gol com chinelos dividem-se entre vivos, presos, casados e... aqueles que não lembramos os nomes. Olha aí, como também vamos embora... Amores pelos quais já choramos. O do primário, o do ensino fundamental, os do ensino médio... os da faculdade. Olhe um pouco para trás. Veja como algumas despedidas não são dolorosas.
A vida é assim: as pessoas vão embora. E é preciso muito cuidado e sensibilidade para cultivar os que devem ficar conosco. Não seja raso e as ame, acima de tudo. E aos que se vão: paciência. A vida é também demasiada curta para choramingarmos pelos que decidiram seguir outro rumo.