quarta-feira, 30 de abril de 2014

Primata Internauta: humanos que digitam

"E de pai pra filho o racismo passa
Em forma de piadas que teriam bem mais graça
Se não fosse o retrato da nossa ignorância
Transmitindo a discriminação desde a infância
E o que as crianças aprendem brincando
É nada mais nada menos do que a estupidez se propagando"

Há seis anos criei um blog intitulado 'Primata Internauta' e nunca pensei que fosse vir aqui dar um parecer sobre isso. O criei com esse nome por um motivo: atitudes 'irracionais' a partir de emoções naturais me fazem lembrar os que, segundo Darwin, foram nossos ancestrais em comum: os primatas. 
Nunca achei que pudesse usá-lo como uma forma de ironizar o racismo e muito menos combatê-lo.
Como não assisto muita televisão, li algumas opiniões sobre os casos que veem gerado a atual discussão sobre racismo, futebol, macacos e instagram, e concluí que a a atitude do jogador Daniel Alves de comer uma banana que lhe foi lançada em campo como forma de racismo é diferente do atual protesto midiático #somostodosmacacos. Comer uma banana atirada por um racista é dizer à ele: "sou negro, mas posso te ignorar por ser mais inteligente, rico e famoso" ou não precisa querer dizer nada, sendo apenas uma forma de ignorá-lo. Agora, dizer que "somos todos macacos" é reafirmar um termo pejorativo que deveria ter sido extinto há muitos e muitos anos.


"Muita gente não compreende a magnitude e profundidade da utilização da figura do macaco como insulto aos negros, mesmo quando a utilização da figura daquele animal tem como objetivo fazer alguém rir" portanto:
Contra o racismo nada de bananas, nada de macacos, por favor"! E quanto à mídia, é bom deixar claro que "não somos bananas!"

Não, não sou  macaco. E políticos, astronautas, internautas, jogadores de futebol e racistas infelizmente também não são, porque se fôssemos não existira esse tipo de segregação. Vejo humanos mas muitas vezes não vejo evolução.

Uma musiquinha pra relaxar enquanto vocês refletem sobre o tema:




terça-feira, 22 de abril de 2014

Inevitável

Aos que não querem deixar os sentimentos claros
Uma coisa é certa: a luz que evidencia o que sentimos
Sempre passa pelos ralos e não se concerta
Sai pelos olhos, brilhando
Pela boca, falando
Pelo coração, amando [calado].
Sai daqui, sai dacolá
Sem nos darmos conta
Ou sequer esperar
Sai até no silencio, não sai? [...] 
Sai em um "não sei" mal pronunciado
No abraço em um dia nublado
Nas mãos que oferecem a valsa
Na modéstia falsa
Sai pela culatra - artaluc
Tentando atirar em terceiros 
Mas só atingindo a si e aos primeiros
Em inúmeros tiroteios
Sai até mesmo nesse seu ar indecifrável
É inevitável!




domingo, 20 de abril de 2014

Vai dizer que não?

Mesmo que não acredite em amor de verdade, em beijo de filme
Tem que haver alguém nesse mundo
Que não te despreze, que não te repulse
Pois mesmo que não acredite
Em conto de fada, em beijo de filme
Tem que haver
Alguém que vá te amar, alguém pra te aceitar
Se é que existe
Alguém que realmente te aguente
Capaz de realmente te amar





Vim contar que decidi seguir viagem. Mas antes, tenho bem aqui na minha língua (ou nas pontas dos dedos) uma verdade pra você. Uma verdade talvez um pouco cruel, perto da sua cretinice. Tenho uma verdade estonteante perto do seu péssimo modelo de criatura superior que não gosta de ninguém. Na próxima frase eu vou contar pra você uma verdade deliciosa perto da sua atual amargura. Lá vai: você quer ser amado. E digo mais: não tem nada demais nisso. Porque reparei que ultimamente você tem vivido assim, no limbo da solidão, dizendo que não, mas eu sei que quer. Já adianto logo que não é porque estou te mandando a real, que continuo apta para isso e que quero o cargo. Não quero. Mas creio que haverá alguém, qualquer dia desses, que passe aí na tua rua, que te olhe diferente, que comente sobre o tempo e tenha tempo pra você. Não fica fazendo essa cena de amargor, dizendo que tanto faz ou que "quer paz". Você quer sim, alguém que ature essa sua insegurança, que te cuide. Quer alguém pra te olhar como eu te olhei. Com olhos de compaixão e admiração. Você quer alguém pra te dizer umas boas verdades sem desistir de você (como eu desisti). 
Não esquece de dizer pra ela, quando ela chegar pelas bandas aí do teu bairro, que eu mandei um recado e uma lembrança. E estão bem aqui: O recado: não desista como eu desisti. A lembrança: aquele beijo de filme e você dizendo que gosta de mim, mas que achava "engraçado" a gente junto. Porque sim, ela vai precisar saber disso. Não pra ficar claro que você gostou de mim, mas para que ela tenha certeza de que você é capaz de gostar de alguém. E que um dia teve "as caras" de dizer.

Quer mais uma verdade? Ta aí: juntei todas as lembranças que você me deu e mais aquele punhadinho de pequenos objetos, tô fazendo minhas malas e partindo pra bem longe da sua vida. E nem vou dizer pra não me procurar. Porque eu sei, lá no fundo (apesar de não querer acreditar) que você não vai fazer isso. Mas já fazia mesmo um tempo que eu planejava me mandar. Tava só esperando juntar o dinheiro da passagem e as palavras certas para escrever minha própria carta de alforria (e uma caneta bem lustrosa para assiná-la). Vou sem pena de te deixar nessa sua vida sem perspectivas. Quem sabe daqui uns cinco anos você mude e me deixe voltar? Vou levando tudo para poder me lembrar que um dia você deixou eu te amar. E eu sei que você ainda quer alguém que te ame. Vai dizer que não? Todo mundo quer. Inclusive eu. Por isso tô pagando o preço dessa passagem. Pagando caro. Porque o preço é saber que você não quis vir comigo, mas que um dia já quis. Vai dizer que não?





quinta-feira, 10 de abril de 2014

Nada de rancor!

Para falar bem a verdade, eu não lembro como a conversa começou. E nem mesmo como eu poderia ter conversado com ela ali naquela festa de velhos amigos em comum. Mas, de qualquer forma, foi uma conversa ótima. Sempre bom relembrar os velhos tempos de amizade sincera.

_ Mas já faz quase cinco anos! - ela disse num tô quase simpático e com aquele sorriso torto, a uma certa altura da conversa - Não acredito que você ainda tenha raiva de mim.
_ Bem - tentei argumentar- não é que eu não goste de você, mas desprezo é uma palavra forte, não acha?
_ Como assim? Eu não falei em desprezo!
Continuei, sem tentar entender ou prestar atenção no que ela dizia.
_ Pois é, eu não te desprezo. E não é que eu tenha ódio de você e vontade de socar essa sua cara lesada e desproporcional até ela ficar mais lesada e desproporcional do que ela já é... não é que eu queira vomitar toda vez que alguém me conta algo sobre você ou pronuncia seu nome, nem que eu tenha vontade de entrar no seu apartamento e colocar fogo nas suas coisas... não, não! Ninguém aqui tá falando em fogo. Calma aí. Vamos ser sensatos e agir como pessoas civilizadas. Eu nunca disse que quero ver você morrendo enforcada em uma árvore antiga, se debatendo como uma demente dos infernos. O que de fato você sempre foi. Sua demente dos infernos.

De repente, não sei por que, ela parou de falar.
Mas aí eu continuei sorrindo como no começo da conversa e dei uns três ou quatro tapinhas nas costas dela, como quem diz "desejo tudo de bom pra essa sua vida aí".

Vocês sabem, eu não sou de guardar rancor. 




quarta-feira, 9 de abril de 2014

Gustavo tem preguiça de viver

Don't feel like picking up my phone
So leave a message at the tone
'Cause today I swear I'm not doing anything



Gustavo nunca gostou de futebol. Acha que algumas pessoas correndo atrás de uma bola e mais uma tentando segurá-la em 45 minutos não vão fazer diferença em sua vida. "Perda de tempo", ele diz. Aliás, muitas coisas não fazem diferença na vida de Gustavo. Muitas pessoas também não fazem. Ao que me parece, nunca gostou de ter amigos demais. Se é possível viver sem eles, por que viveria com eles, não é mesmo? Desde que o conheci (em uma rede social onde o objetivo era traçar o que pensa em apenas 140 caracteres), eu nunca o entendi.
Gustavo repara em detalhes. Daqueles bem sórdidos, que ninguém repararia. Outro dia mesmo reparou na voz da moça da padaria. Quando começa a rir de algo, é melhor sair de perto. Ninguém entende muito bem as coisas em que ele põe graça. 
Acho que é capaz de ignorar todos os mundos para os quais é convidado, só pra não deixar seu próprio mundo de lado. E esse mundo não é muito complexo, não. Se eu pensar direitinho, posso contar com os dedos da mão: uma garrafa de cerveja, vídeo game, computador, uma cama bem quentinha, leite desnatado, algumas "bolachas" e um caderno para eventuais anotações de curso.

Mas uma coisa é fato, e é inevitável de se ver: Gustavo tem preguiça de viver.

É uma preguiça discreta e não tem nada a ver com vontade de morrer. É só preguiça mesmo. Preguiça de algumas coisas óbvias que as pessoas falam durante o dia só para serem ouvidas, ou de tarefas cansativas. Preguiça de ter que acordar cedo pra estudar, e de arrumar mala pra viajar. 
Mas apesar de tudo, Gustavo se parece comigo, por isso eu sempre soube que daria um bom amigo. Quando digo que quero fazer algo ele logo se põe a reclamar: "Tenho medo de você" ou "Não quero nem saber". Não tenha medo não, Gustavo. Com esse seu jeito calmo e essa preguiça de viver, você é uma das únicas pessoas no mundo que menos me faz sofrer.



terça-feira, 8 de abril de 2014

Thalita não ama ninguém

Thalita não gosta de seu próprio nome. Aquele "H" ali no meio é estranho e a sílaba "LI" soa um pouco desnecessária. Nunca gostou de aplausos, nem de multidões, também.
Quando a conheci, não gostava muito de conversar. Tímida, mas de um sorriso de fazer inveja, não dava papo para quem se aproximava demais. Thalita não gostava de bebidas amargas. Nem mesmo de alimentos doces e coloridos. Preferiu ter poucos amigos, mas os que tem são, na minha humilde opinião, os melhores de se ter. Thalita os tem de modo equilibrado. Não precisa demais deles nem eles dela. Se gostam, se divertem, mas tudo na medida certa. Alguns choram em seu ombro, outros nem tanto. E ela chora também. Mas é discreta. Não gosta de incomodar ninguém.
Thalita tem um família linda. Irmãos pequeninos e dois cachorrinhos. Gosta de ver tv com a avó e de jogar cartas com o vovô. Quando está em casa, é festa atrás de festa. O pai tem um orgulho enlouquecedor por ela.
Mas uma coisa é certa e nada me tira essa ideia: Thalita não ama ninguém.

[Calma, Thalita. Eu sei que me disse que ama.] 

Mas é que o meu conceito de amor é diferente (/deficiente). E acho que desse amor que eu conheço, você não tem... vai é mais além! Quando vejo sua maneira de perdoar e a forma de cuidar das coisas que lhe são de valor, percebo em seu olhar um sentimento muito além do amor.
Eu sempre digo e vou dizer de novo a todos me rodeiam: existem momentos e sentimentos na vida que não se nomeiam. Se quer chamar o modo como trata as pessoas que te cercam de "amor", que chame. Mas eu não concordo. Um dia há de haver outro nome. É um misto de todas as coisas boas que já vi na vida com uma pitada de mal humor. Sim, mal humor. Aquele humor que diz claramente: 
"Aqui no meu mundo ninguém mente! Ninguém mete o nariz na forma como eu conduzo as coisas que me fazem feliz." 
Queria que soubesse, Thalita, que você já é, e ainda há de ser [mais] uma pessoa de destaque nesse mundinho miúdo e hipócrita em que vivemos. Que com essa áurea de mulher-coragem que carrega, vencerá qualquer tristeza que possa um dia te amedrontar. Você vai sempre vencer, querida. E de uma forma leve e sem dramas. Vai descobrir nessa sociedade bagunçada uma maneira de ver e sentir de forma abençoada.
Poxa, Thalita, não me leve à mal quando digo que você não ama ninguém. Quero apenas que entenda, com minhas palavras humildes e de forma corrida, que você é uma das pessoas que me fazem ter esperança na vida.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Será que dá?

Eu realmente espero que um dia 
Inventem uma máquina ou teoria capaz de medir 
O desperdício de nós dois


Alguns anos se passaram e, se não dá pra ser feliz agora, eu espero. 
Espero você decidir se quer. Espero você se recordar do que éramos um para o outro. Espero também pela minha decisão. Porque eu realmente não sei se tô pronta pra isso. Meu quarto está uma bagunça, o banheiro e a cozinha, por lavar. Agora não dá mesmo pra arriscar. É melhor esperar o fim de semana, o dia do pagamento, a formatura. Quer que eu espere a sua? Espero sim. Quem sabe no domingo eu bata na sua porta e a gente se acerta? O tempo continua passando, com ou sem você (apesar de que, sem você é sempre mais difícil). Mas já esperei tantas coisas. Por que não esperar mais um pouco, não é mesmo? Eu consigo te olhar e pensar que talvez o tempo certo ainda esteja por vir. Será? 

Será que daqui a uns, sei lá, cinco anos, vai ficar tudo do jeito que eu quero? Meio assim, organizado, sabe? Um emprego legal, algumas viagens. Todas as roupas em cabides, o armário do banheiro sempre limpo, a pia da cozinha sem amontoações. Nós dois no sofá, programando a TV para o filme de terror das 23h. Não quero muita mordomia não. Nem filhos, nem empregada, nem gatos. Quero só você mesmo. Já tá bom. Quero que me dê um beijo de boa noite e um sorriso de bom dia. É sonhar demais? Quero só te ver de novo, te amar, te chamar de amigo.
Será que eu consigo?

Quero deixar de ser isso que sou pra você hoje. Porque sei que sou uma inquieta, meio doida, meio chata, com um humor incerto, que você não quer por perto. Mas deixa eu acreditar que com o tempo eu serei o que você espera. Porque pra mim, sinceramente, não faz mais diferença. Tenho me sentido insegura, solitária e cada vez mais sem graça. Deixei muito do que eu era pra trás. E talvez, se eu esperar, você me dê uma chance. Me abrace de verdade. Deixe de lado essa vaidade, esse medo da saudade.


Mas se agora realmente não dá, eu vou esperar. Não por você, nem pelo momento perfeito, mas por algo que faça mais sentido do que isso tudo tem feito.

domingo, 6 de abril de 2014

Try to be better

"Eu devia sorrir mais; abraçar meus pais; viajar o mundo e socializar;
Nunca reclamar, só agradecer; fácil de falar, difícil fazer."

Eu sinto que dá para sermos melhores do que isso. Não dá? Tipo deixar o rancor de lado só um minutinho e tentar cumprimentar o vizinho. 
Ou fazer questão de sorrir no elevador, mesmo de mal humor.
Dá pra ser melhor sim. Ouvir o amigo com calma, mesmo que atrasado pra aula. 
Rir de um mosquito em meio à uma segunda-feira de trabalho infinito. 
Agradecer pelo almoço da cantina. 
Tentar se acostumar com a nova rotina. 
Conhecer pessoas novas! Por que não? 
Mandar um e-mail (ou uma carta) para a amiga que achava chata. 
Dizer um "bom dia" ou um "muito obrigado" por opção, esperando um dia bom ou agradecendo de coração. 
Ou quem sabe podemos ser mais sinceros? Não mentir só pra agradar, sabe? 
"Seu almoço estava salgado. Tente acertar no próximo." ou 
"Com essa roupa você parece um otário, que tal a outra calça do armário?"
Eu sei que é só fazer um esforço. Ser pintura colorida e deixar de ser esboço.
Agradar um amigo sem gastar dinheiro, "Ei, te trouxe uma florzinha roubada do canteiro!"
Alimentar um cãozinho. Ou mesmo fazer um carinho. 
Ser melhor no ônibus: não cochilar quando ver um idoso entrar.
Ser melhor do trabalho: ajudar um colega. Ser solidário.
Ser melhor com a família: sorrir para a mãe, ligar para o pai, não prender demais a filha.
Dá pra ser melhor sim! Deixar um pouco de reclamar e dormir e passar a acordar e sorrir. 
Abraçar! Esquecer-se de chorar. Orar. Amar.
Eu sinto que dá.





sexta-feira, 4 de abril de 2014

História de um azarado

Lindomar era um cara de muito azar. A começar pelo nome. Lindomar. Dá pra acreditar? Rima até com a palavra "azar"! 
Sempre foi alvo de piadas na escola: "olha lá o lindinho...".
E por falar em escola: que azar! Era só entrar pra começar. Quebrava cadeiras ao sentar.
A luz queimava e perdiam ali uns quinze minutos só pra trocar. O vidro de cola estourava.
"Olha aqui, professora! O Lindomar já está a se sujar!" - gritavam os colegas aos risos.
No colegial chegava atrasado e o inspetor não deixava entrar. Voltava pra casa (aos tropeços) e a mãe punha-se à chorar: "Coitado do Lindomar!" 
Quebrava os presentes de Natal logo que começava a usar. Não era desastre, era azar.
Era um tal de bola que vinha furada pra cá, carrinho sem roda pra lá, boneco com defeito de fábrica...
E a época do vestibular?! Perdia os livros de estudar, esquecia o que acontecia na aula, não lembrava de copiar. Nem no dia que passou o azar abandonou. 
_ Cadê os documentos para a matrícula, Lindomar?
_ Ih, mãe! Esqueci de xerocar!
A época da faculdade foi confusa. Entrava na sala errada todo dia. Não entendia o que acontecia. 
Morou sozinho e teve que aprender a se virar, mas o arroz queimava, o chuveiro também. Na fila do restaurante, sempre em sua frente tinha um casal de amantes. Que constrangedor. Mandava roupas para lavar e voltavam furadas. E se lavava em casa: manchadas.
Lindomar precisou então, definitivamente, aprender a lidar com seu fiel companheiro.
"Há quem nasça cego e até sem membros. Há quem não tenha o que comer. Já eu, tenho azar." - pensava, tentando se acostumar.



Foi num dia de azar que conheceu Sara. Na fila do banco. Depois de duas horas de conversa serrada, descobriu que estava na fila errada. "Moço, a fila para empréstimos é lá na entrada." - disse a funcionária, exaltada. 
Pegou o número do telefone. Ligou e deu fora de área. Marcou um encontro quando conseguiu, mas o restaurante estava fechado. O trânsito engarrafou e tiveram seu encontro ali mesmo, no carro parado. 
Ela sorriu até ele se apaixonar. Depois de alguns meses pediu pra casar.
Até no dia do casamento foi confusão. O padre passou mal do coração. 
Mas houve substituição.
Casaram-se então, Lindomar, Sara e o Azar. 
Na hora do sim, ele não conseguiu segurar: "Quanta sorte eu tive ao te encontrar!" 



quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Sofá

"A gente é bem maior do que qualquer drama; Que entra em cartaz e sai em duas semanas..."

Não vem com esse papo de durão. Todo mundo pensa em alguém antes de dormir. Todos temos diálogos com o travesseiro naquela hora da noite em que batem os arrependimentos.
E não vem com essa história fajuta de que você faz tudo o que tem vontade e não se arrepende, porque todo mundo se arrepende de algo que não fez.
Ontem mesmo, a Cláudia deitou arrependida por não ter abraçado ele no momento que deu vontade; por não ter beijado no rosto e dito: "olha aí, como eu te conheço..." ou qualquer frase aleatória que o fizesse rir.
Dia desses eu vi um filme com a seguinte moral: 
"Todos nós fazemos escolhas na vida. O difícil é conviver com elas". 
Vou contar aqui, e espero que não levem a mal: sinto que pra ela é quase insuportável conviver com algumas escolhas que faz. Sobe a rua olhando pra trás. Será que volta? Será que deveria... não. E segue. Chega em casa e vai direto ao tal diálogo com o travesseiro. Coitado. Aquele lá de pena de ganso já está quase cobrando as sessões de terapia.

Quando a encontro, o caso que mais gosto de ouvir é o do sofá.


Ela tem um sofá já velho e surrado onde deita todos os dias depois do almoço. 
O fato é que chegou em casa em uma terça-feira e acabou pegando no sono. 
Sonhou com ele, claro. Era o óbvio mais óbvio de seus presságios antes de dormir (afinal, todo mundo pensa em alguém antes de dormir). Sonhou que estava ali mesmo, no sofá. Acordada. De frente pra ele.
Ele sorria como só sorri em dias de bom humor com um belo açaí na mão e conversavam sobre aqueles antigos dramas do relacionamento. Riram até a barriga doer relembrando o dia em que se perderam em um passeio na cidade e só voltaram pra casa com a ajuda de um velho hippie sujo que oferecia drogas de dez em dez segundos. Riram do começo de tudo, de quando não tinham coragem nem de se olhar. Mas se gostavam porque eram muito parecidos. E tinham discussões bestas sobre músicas e tipos de comida.
O sonho passou de vagar, e Cláudia conta que ele não tirava os olhos dela. Conta também que no sonho os tempos eram outros. Eles estavam já maduros, formados e com empregos estáveis. E tava tudo certo.Tudo no  lugar. Tudo perfeito. E principalmente: não haviam arrependimentos. "Sabe assim, aquela dorzinha que fica na frase não dita, entalada no pescoço?" - dizia ela, sorrindo. 

O sofá se tornou uma metáfora pra mim. Uma metáfora das acomodações da vida. 
Cláudia sempre lembra do caso como se aquilo só pudesse acontecer em um sonho. Por vezes, tenho pena dela. Não diz nada do que sente e vai embora sempre, já com hora marcada para a terapia com o travesseiro. E acha graça em sonhos. Graça em desculpas para deixar pra depois a frase não dita. Não sei nem se tem coragem de dizer um "sim".  
Mas olha, pra ser bem sincera, eu também não sou muito de dizer o que penso. Me arrependo por coisas tolas e tenho um travesseiro de ouvido cansado. 
Só acho que deveríamos começar a deixar de lado alguns sofás da vida. Acomodar-se não é, nem de longe, a melhor maneira de não se arrepender.