sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Madrugada

Acho que devia ser por volta de três ou quatro da manhã. Despertei de um sono profundo, cheio de sonhos incoerentes daqueles que esquecemos dois minutos depois de acordar e vi sua silhueta iluminada pela pouca luz que entrava pela janela. Você sentado na beira da cama (que parecia ainda maior do que aquela que escolhemos juntos), de cabeça baixa e em silêncio. Fiz um movimento rápido com os olhos para fazê-los acostumar a cena e te percebi tremer. Entredentes e pequenos soluços, você chorava.
Não tive uma reação imediata de preocupação.
De uma certa forma, eu sentia que aquilo poderia acontecer a qualquer momento. Esperei um pouco em silêncio e, bem devagar fui me esticando ao seu encontro. “Amor?” – quebrei o silêncio como se tivesse quebrado uma janela com uma raquete de tênis. Você desabou. Sentiu minha mão nas suas costas nuas e chorou como um bebê.
Esperei pacientemente até que você parasse para respirar e me dissesse algo, mas demorou. Demorou demais. Como se nunca mais eu fosse ouvir sua voz. Você estava descarregando tudo. E aquilo precisava e iria sair de qualquer forma.
Foi naquela madrugada congelante, quando eu mais precisava do seu abraço confortável, que você me tirou todos os cobertores. “Acabou” – você disse depois do que pareceu uma eternidade. Permaneci em silêncio mas já entendia sobre o que você estava falando. Observei a sombra de galhos se mexendo na parede, lembrei como você gostava desses efeitos de luzes recém nascidas, calculei mais uma vez o horário (acho que devia ser por volta de três ou quatro da manhã) e finalmente deixei cair uma lágrima também.
Em meados de julho, justamente na mesma época em que tudo começou, eu vi e senti que tudo estava se acabando.
E não foi culpa sua, nem minha. Foi culpa do tempo que calejou a gente. Culpa das nossas eternas cedidas. Cedi meu tempo, meu precioso tempo, para me dedicar a você. E você fez o mesmo por mim. Li todos aqueles livros insuportáveis de ciência, vi os filmes de ação que você tanto gostava, cozinhei jiló no vapor. Quem diria.
Já você, aprendeu a andar de bicicleta e finalmente saiu da confortável zona virtual para entrar em um museu. Tomou sorvete de pistache e provou da cerveja de chocolate que tanto amo. Cedeu o lado direito da cama só pra me ver feliz. Pesquisou sobre nossos signos e parou definitivamente de fumar. Deixei de ser chata e permiti que você ouvisse seu rock enquanto eu lia meus romances-mamão-com-açúcar. E você começou a topar todos os meus convites para programas ao ar livre. Inconscientes, nós mudamos. E, de repente, quando tudo parecia ter entrado em harmonia, começamos a querer nossas antigas vidas de volta.
Eu percebia seu semblante impaciente com meus programas de culinária na TV mas ficava proporcionalmente nervosa quando descobria que você havia decidido o cardápio de domingo sem ao menos me consultar.
Assim, ao invés de nos completarmos, passamos a ser um peso um na vida do outro. Percebi que o cara que tanto lutei para que fosse meu, de uma hora pra outra só queria ser dono da própria vida. Queria voar sem ninguém na torre de controle. Queria voltar a ter suas próprias certezas. E tinha certeza de que odiava cerveja de chocolate, museus e filmes de comédia romântica.
Eu achava engraçado quando você associava os raios de sol e as ondas do mar à nossa vida juntos. Que nenhum momento era igual ao outro mesmo que nós continuássemos os mesmos. “Eles são sempre os mesmos, mas o movimento do mar e os raios do sol estão em constante mutação – assim que nós e nossos momentos juntos”
É, acho que você estava errado.
Você foi sol que deixou de ser e eu, o mar que mudou de essência.
Demorei para aceitar isso, mas depois da limpeza que você fez nos cômodos da casa, já começo a perceber que precisávamos aprender um pouco mais sobre nós mesmos para só depois nos dedicarmos a alguém.
Estou estudando mais sobre meus gostos, tentando entender essa mania idiota de deixar as pessoas falando sozinhas e pensando um pouco sobre como me adaptar melhor ao novo trabalho. Espero que você esteja tentando fazer algumas análises também. O tempo é todo nosso agora. Vamos usá-lo da melhor forma possível.
Faz um trato comigo? Quando você estiver preparado, volta. Ou procura alguém que te faça melhor e mais feliz. Que faça você se sentir bem sendo você.

Eu prometo fazer o mesmo.

domingo, 8 de novembro de 2015

Vamos tentar?


Quando você passa a observar mais as coisas que tem do que as coisas que [acha que] precisa ou quer, vai perceber que tem muito mais a agradecer do que a pedir.
Vai parar de observar o que outras pessoas tem e o que poderiam ter feito por você para ser generoso e fazer por elas sem esperar reconhecimento.
Vai perceber que, ser honesto é uma opção tão digna para dormir com a consciência tranquila que nunca mais terá dores de cabeça.
Quando você passa a dar o seu melhor, percebe que o resultado pode ser fraco ou mediano, mas que sempre te mostrará que valeu a pena não ter feito menos do que o melhor.
Passa a tomar dores de pessoas que ama, mas sabe que se imaginar no lugar delas é o máximo que pode fazer para ajudar e que só elas, assim como você, são capazes de resolver seus próprios problemas internos.
Quando você observa tudo o que tem, entende que ser feliz é pura e simplesmente uma questão de escolha. Mesmo que isso inclua deixar as coisas que [acha que] precisa ou quer, um pouco de lado.

Acho que 2015 foi um dos melhores anos da minha vida, pois eu definitivamente passei a enxergar mais as coisas que tenho do que as que preciso.