Acho que devia ser por volta de
três ou quatro da manhã. Despertei de um sono profundo, cheio de sonhos
incoerentes daqueles que esquecemos dois minutos depois de acordar e vi sua
silhueta iluminada pela pouca luz que entrava pela janela. Você sentado na
beira da cama (que parecia ainda maior do que aquela que escolhemos juntos), de
cabeça baixa e em silêncio. Fiz um movimento rápido com os olhos para fazê-los
acostumar a cena e te percebi tremer. Entredentes e pequenos soluços, você
chorava.
Não tive uma reação imediata de
preocupação.
De uma certa forma, eu sentia que
aquilo poderia acontecer a qualquer momento. Esperei um pouco em silêncio e,
bem devagar fui me esticando ao seu encontro. “Amor?” – quebrei o silêncio como
se tivesse quebrado uma janela com uma raquete de tênis. Você desabou. Sentiu minha
mão nas suas costas nuas e chorou como um bebê.
Esperei pacientemente até que
você parasse para respirar e me dissesse algo, mas demorou. Demorou demais.
Como se nunca mais eu fosse ouvir sua voz. Você estava descarregando tudo. E
aquilo precisava e iria sair de qualquer forma.
Foi naquela madrugada congelante,
quando eu mais precisava do seu abraço confortável, que você me tirou todos os
cobertores. “Acabou” – você disse depois do que pareceu uma eternidade.
Permaneci em silêncio mas já entendia sobre o que você estava falando. Observei
a sombra de galhos se mexendo na parede, lembrei como você gostava desses
efeitos de luzes recém nascidas, calculei mais uma vez o horário (acho que
devia ser por volta de três ou quatro da manhã) e finalmente deixei cair uma
lágrima também.
Em meados de julho, justamente na
mesma época em que tudo começou, eu vi e senti que tudo estava se acabando.
E não foi culpa sua, nem minha.
Foi culpa do tempo que calejou a gente. Culpa das nossas eternas cedidas. Cedi
meu tempo, meu precioso tempo, para me dedicar a você. E você fez o mesmo por
mim. Li todos aqueles livros insuportáveis de ciência, vi os filmes de ação que
você tanto gostava, cozinhei jiló no vapor. Quem diria.
Já você, aprendeu a andar de
bicicleta e finalmente saiu da confortável zona virtual para entrar em um
museu. Tomou sorvete de pistache e provou da cerveja de chocolate que tanto
amo. Cedeu o lado direito da cama só pra me ver feliz. Pesquisou sobre nossos
signos e parou definitivamente de fumar. Deixei de ser chata e permiti que você
ouvisse seu rock enquanto eu lia meus romances-mamão-com-açúcar. E você começou
a topar todos os meus convites para programas ao ar livre. Inconscientes, nós
mudamos. E, de repente, quando tudo parecia ter entrado em harmonia, começamos
a querer nossas antigas vidas de volta.
Eu percebia seu semblante
impaciente com meus programas de culinária na TV mas ficava proporcionalmente
nervosa quando descobria que você havia decidido o cardápio de domingo sem ao
menos me consultar.
Assim, ao invés de nos
completarmos, passamos a ser um peso um na vida do outro. Percebi que o cara
que tanto lutei para que fosse meu, de uma hora pra outra só queria ser dono da
própria vida. Queria voar sem ninguém na torre de controle. Queria voltar a ter
suas próprias certezas. E tinha certeza de que odiava cerveja de chocolate,
museus e filmes de comédia romântica.
Eu achava engraçado quando você associava os raios de sol e as ondas do mar à nossa
vida juntos. Que nenhum momento era igual ao outro mesmo que nós continuássemos
os mesmos. “Eles são sempre os mesmos, mas o movimento do mar e os raios do sol
estão em constante mutação – assim que nós e nossos momentos juntos”
É, acho que você estava errado.
Você foi sol que deixou de ser e
eu, o mar que mudou de essência.
Demorei para aceitar isso, mas
depois da limpeza que você fez nos cômodos da casa, já começo a perceber que
precisávamos aprender um pouco mais sobre nós mesmos para só depois nos
dedicarmos a alguém.
Estou estudando mais sobre meus
gostos, tentando entender essa mania idiota de deixar as pessoas falando
sozinhas e pensando um pouco sobre como me adaptar melhor ao novo trabalho.
Espero que você esteja tentando fazer algumas análises também. O tempo é todo
nosso agora. Vamos usá-lo da melhor forma possível.
Faz um trato comigo? Quando você
estiver preparado, volta. Ou procura alguém que te faça melhor e mais feliz.
Que faça você se sentir bem sendo você.
Eu prometo fazer o mesmo.