quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Sofá

"A gente é bem maior do que qualquer drama; Que entra em cartaz e sai em duas semanas..."

Não vem com esse papo de durão. Todo mundo pensa em alguém antes de dormir. Todos temos diálogos com o travesseiro naquela hora da noite em que batem os arrependimentos.
E não vem com essa história fajuta de que você faz tudo o que tem vontade e não se arrepende, porque todo mundo se arrepende de algo que não fez.
Ontem mesmo, a Cláudia deitou arrependida por não ter abraçado ele no momento que deu vontade; por não ter beijado no rosto e dito: "olha aí, como eu te conheço..." ou qualquer frase aleatória que o fizesse rir.
Dia desses eu vi um filme com a seguinte moral: 
"Todos nós fazemos escolhas na vida. O difícil é conviver com elas". 
Vou contar aqui, e espero que não levem a mal: sinto que pra ela é quase insuportável conviver com algumas escolhas que faz. Sobe a rua olhando pra trás. Será que volta? Será que deveria... não. E segue. Chega em casa e vai direto ao tal diálogo com o travesseiro. Coitado. Aquele lá de pena de ganso já está quase cobrando as sessões de terapia.

Quando a encontro, o caso que mais gosto de ouvir é o do sofá.


Ela tem um sofá já velho e surrado onde deita todos os dias depois do almoço. 
O fato é que chegou em casa em uma terça-feira e acabou pegando no sono. 
Sonhou com ele, claro. Era o óbvio mais óbvio de seus presságios antes de dormir (afinal, todo mundo pensa em alguém antes de dormir). Sonhou que estava ali mesmo, no sofá. Acordada. De frente pra ele.
Ele sorria como só sorri em dias de bom humor com um belo açaí na mão e conversavam sobre aqueles antigos dramas do relacionamento. Riram até a barriga doer relembrando o dia em que se perderam em um passeio na cidade e só voltaram pra casa com a ajuda de um velho hippie sujo que oferecia drogas de dez em dez segundos. Riram do começo de tudo, de quando não tinham coragem nem de se olhar. Mas se gostavam porque eram muito parecidos. E tinham discussões bestas sobre músicas e tipos de comida.
O sonho passou de vagar, e Cláudia conta que ele não tirava os olhos dela. Conta também que no sonho os tempos eram outros. Eles estavam já maduros, formados e com empregos estáveis. E tava tudo certo.Tudo no  lugar. Tudo perfeito. E principalmente: não haviam arrependimentos. "Sabe assim, aquela dorzinha que fica na frase não dita, entalada no pescoço?" - dizia ela, sorrindo. 

O sofá se tornou uma metáfora pra mim. Uma metáfora das acomodações da vida. 
Cláudia sempre lembra do caso como se aquilo só pudesse acontecer em um sonho. Por vezes, tenho pena dela. Não diz nada do que sente e vai embora sempre, já com hora marcada para a terapia com o travesseiro. E acha graça em sonhos. Graça em desculpas para deixar pra depois a frase não dita. Não sei nem se tem coragem de dizer um "sim".  
Mas olha, pra ser bem sincera, eu também não sou muito de dizer o que penso. Me arrependo por coisas tolas e tenho um travesseiro de ouvido cansado. 
Só acho que deveríamos começar a deixar de lado alguns sofás da vida. Acomodar-se não é, nem de longe, a melhor maneira de não se arrepender. 




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