sábado, 29 de março de 2014

A amizade acaba

Uma crônica de Antônio Prata, remixada e modificada pela autora.
Nota: a crônica original é "O Amor Acaba", mas autora acredita, que assim como o amor, a amizade também pode acabar. E que isso seja natural. 


Às vezes, a amizade acabaAssim foi e assim será. Numa Quarta-Feira de Cinzas, num sábado de carnaval. A amizade se perde, entre o rebolado de três passistas, debaixo da saia da baiana, o bumbo ecoando as batidas que já não vêm do coração. A amizade encolhe, anoréxica, suicida-se de melancolia; acaba num átimo, de infarto - "tão jovem!", dirão -, ou aos poucos, pingando, em lenta e imperceptível hemorragia, pálida amizade; morre de velhice, de obesidade, de preguiça, entre cartas de amor e contas de luz de 2007: a amizade embolora, cria fungosamarela; acaba entre um sorriso e um soluço, no meio do filme, no cinema, no movimento do riso que busca o outro na poltrona, mas riso já não há; acaba no papel de bala amassado, metido no bolso: lá se vai ela, tão frágil, a amizade; acaba no mesmo ombro de sempre, na sala, num sorriso triste, na distância entre dois mundos diferentes, num abraço estéril, cadê a amizade que estava aqui? O gato comeu, o ladrão levou, o anel que tu me destes era vidro e se quebrou, acabou em vaidade, a amizade que tu me tinhas, cadê, meu Deus, a amizade? A amizade escorre, escapa, dissolve, seca, evapora-se de nós, pobres criaturas; a amizade acaba nas férias, na praia, no sol, em segundas-feiras cinzentas no escritório, em piscinas e cinzeiros, em abraços e ofensas, a amizade acaba com ódio, acaba mesmo com amor, nem tanto, um tanto só, de amor; acaba sozinha, culpada, acaba em conjunto, triste; esquece-se a amizade, como uma música da infância, uma tarde em que morremos de rir, uma cidade inteira onde já estivemos e já não está mais dentro de nós; onde foi parar a amizade? Foi-se embora pra Pasárgada, onde é amiga do rei (de nós, certamente, já não é), fugiu para Maracangalha (com Amália?), aposentou-se no beleléu, foi pro inferno, pro limbo, pro céu ou, quem sabe, reside agora num baú, num sótão, numa rua calma em Santa Rita do Passa Quatro; a amizade não escolhe o momento de terminar, vai-se no susto de um pôr-do-sol interrompido por uma buzina, no primeiro ônibus da manhã, é soterrada pela pilha de jornais atirados diante da porta, vai embora com a borra do café; Em todos lugares a amizade acaba; a qualquer hora a amizade acaba; por qualquer motivo a amizade acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer... a amizade acaba.








Nenhum comentário: