sábado, 1 de novembro de 2014

Conto Não Contado

Em uma quinta-feira nublada ele se despediu. Resolveu ir embora com todas as palavras que jamais couberam na boca. Aquelas palavras que guardamos conosco, milhares, dentro da mente e do coração, mas que jamais se verbalizam, nem mesmo se transformam em atos. Muito menos isso. São aquelas palavras que, em dias de domingo, deitados na frente da TV sem prestarmos a menor atenção, formulamos, filtramos, repensamos, achamos sinônimos e antônimos, juntamo-las e criamos citações, textos, livros... mas então, na segunda, quando há tempo de jogá-las na mesa do almoço, desistimos de dizer. “Jamais entenderão” – argumentamos entrementes. E então, são elas que ficam ali, dentro de nós, vívidas como um feto, inquietas, cheias de razões e sentidos, mas que jamais nascem em meio ao “bom dia” rotineiro. Tão fácil dizer “bom dia”. Tão constrangedor dizer “eu te amo porque nascestes pra mim e eu para ti, e...” não, é difícil. E foram essas palavras que fizeram com que ele tivesse vontade de ir embora. “As tenho para mim como minhas, como autor célebre de mim, mas quando penso em pô-las na ponta da língua, elas se encaixam entre a garganta e o peito, em um lugar tão sombrio que dói, incomoda e faz uma terrível tranca na boca” - pensava ele com frequência. Frustrou-se ao perceber que não tinha controle sobre isso e que, para algumas pessoas, é fácil dizer o que pensa. Ele sentia inveja dos pedidos de namoro, dos filhos que dizem “eu te amo” aos pais e até mesmo dos debates políticos... “Se já é difícil dizer a verdade, mentir como eles me parece um dom” – pensava. E viveu assim, calado de pensamentos e de coragem, amando amores tão gigantes que cabiam perfeitamente entre a garganta e o peito, trancados e não verbalizados. E foi um desses amores que o fez dizer adeus naquela tarde, dentro do quarto de hotel. Porque ouvia que “atos falam mais do que palavras”, mas jamais concordou. Nunca concordaria. O aviso de “Não Perturbe” estava pendurado na porta havia tempo e então finalmente uma camareira que passava por ali, intrigada, resolveu bater à porta e perguntar se tudo estava bem. Apertou a campainha – um pouco estridente demais para um hotel – e aguardou. Não obteve resposta. Aflita após a quarta tentativa, chamou a gerência do estabelecimento. A governanta, já acostumada com determinadas situações, foi quem pressupôs o escândalo guardado ali antes mesmo da porta se abrir. A chave mestra deu duas voltas e revelou o corpo sob roupas de cama embebidas de sangue e suor, um buraco na cabeça e um revólver na mão. De uma forma dolorosa, mas ainda assim a que escolhera melhor, ele foi embora de vez, como sempre quis fazer, junto a todas as palavras que nunca disse.  

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