quarta-feira, 11 de junho de 2014

Limpeza na alma

Ela acordou meio desorientada por volta das treze horas, ainda tonta da noite que havia se passado. Não bebera nem mesmo usara algo para a deixar como ficou. Apenas tentou limpar a alma na noite anterior. Começou por volta das dezoito horas, quando decidiu, em uma dessas nuances da vida, que deixaria de lado tudo o que a fez sofrer durante aqueles anos morando longe. Limpou o guarda roupas e aproveitou a chegada do inverno para doar todas as roupas com as quais não se vestia mais, por nelas conter algum perfume ou lembrança do que passou. Separou no canto do quarto um saco preto reforçado para lixo e foi jogando ali todos os objetos que encontrava nas gavetas, que por algum motivo se encaixassem no que se parecia com o passado. Jogou fora cartas, cartões e apostilas velhas. Não releu nada, porque já sabia de cor e salteado todas as palavras que continham. Não rasgou nada, porque não havia necessidade. "Quem sabe, alguém que passe por esse saco tenha piedade e as deixe sair?" - pensava sobre as palavras já sufocadas dentro do plástico. Uma vassoura, uma flanela, um pano de chão e algumas gomas mascadas para ter paciência foram o suficiente para toda a limpeza. Ligou o computador e colocou a música mais nova pra tocar. Aproveitou que o mesmo estava ligado e foi logo mandando um "Shift+Del" em todas as pastas de músicas, cartas e fotos. Sem piedade, deletou uma a uma. Percebeu que foram quatro anos guardando antigas recordações que nunca foram utilizadas. Decidiu que elas continuariam não servindo pra nada se ela quisesse guardar as que viveu durante os tais quatro anos. Limpou tudo para dar espaço às recordações mais recentes: a faculdade, as festas, os caras, os amigos.

Ao final, tentou a parte mais difícil: rasgar a foto colada no armário. Aquela foto significava mais do que uma imagem de duas pessoas. Na verdade significava anos de angústia, saudade e sentimentos guardados em silêncio. Significava ele, e tudo o aconteceu e não aconteceu entre os dois. Arrancou-a, mas seus dedos não finalizaram o processo do rasgo. Segurou-a contra o peito e, olhando todo aquele mundaréu de coisas que iriam pro lixo, chorou. Sentiu aquele incômodo de sempre n'alma e percebeu que dali não conseguiria descartá-lo tão facilmente como fez com os objetos. Para tirá-lo dali seria necessário um único detalhe: a presença dele e de tudo o que ele sentiu. Reformulariam juntos um final melhor, para que então ela pudesse seguir em paz. Revisariam toda aquela história com calma, para que acontecesse a verdadeira limpeza na alma.

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