quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Último Lamento

Belo Horizonte, 20 de Março de 2064.

Querida Ana,

Como vão as coisas? Não nos vemos há muito. Espero que não estranhes este meu repentino aparecimento. Só precisava de uma oportunidade para dizer algumas poucas palavras.
Sabes, a vida que levamos quando lhe conheci me deu uma uma falsa sensação de certeza e segurança sobre algo que jamais poderia imaginar que perderia: o teu respeito e a tua admiração. 
Lembra-te de quando nos beijamos naquele dia ensolarado de praia, envoltos de amigos "maneiros"? Eu me lembro como se fosse ontem. Nós abríamos os braços e sentíamos o vento, repletos de pensamentos que nos davam a segurança de que seríamos jovens para sempre. Não fomos. 
Este ano completo setenta e dois anos de idade. E em cada aniversário eu lembro dos teus olhos cuidadosos e tua mão que afagava o meu choro quando me punha a reclamar da vida. Hoje sei - infelizmente tarde demais - que devemos dar valor àquilo que somos e temos. O valor que me destes era visível em teus atos. Quanto à mim, percebo que fui egoísta. Ninguém é feliz sozinho. Eu fui feliz ao teu lado, mas hoje, sentado nesta sala e cadeira velhas, percebo que poderia tê-la comigo. E percebo também que não fiz por merecer. Quando nos conhecemos, éramos jovens sonhadores. Hoje, sonho em voltar no tempo para deixar de ser tão sonhador e pôr meus pés no chão. Não que sonhar seja ruim - longe disso - mas é que, em certos momentos, sentir-se seguro é fundamental para um futuro sem solidão. 
A briga que nos separou hoje ecoa em meus ouvidos como as notas desafinadas de um violino velho. 
Espero que estejas entendendo a que ponto desejo chegar nesta carta, minha querida. 
Sinto tanto tua falta que posso fechar os olhos e sentir o teu perfume no vento. 
Sou um homem solitário, Ana. Hoje sei que isso não faz diferença para ti. Sei que encontrastes alguém que dá valor aos teus carinhos sinceros. Sei que não voltarei a ver-te. Só escrevo para pedir desculpas por todas as coisas que deram erradas entre nós dois. Devo-te um respeito tão imenso, que nem chega a caber-me no peito. Devo-te parte de mim. Parte do que fui e do que pretendia ser naquela época. É tarde demais para lamentos, mas faço-os mesmo assim. Lamento por tê-la desapontado e por não tê-la olhado nos olhos e dito tudo o que poderia ter sido de nós.

Lamento por tê-la amado demais sem transparecer isso de uma forma bela e direta.
Lamento por deixar esta vida sem tê-la em meus braços mais uma vez.

Com carinho,

Artur.

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