sábado, 4 de fevereiro de 2012

O Dia Em Que A Terra Parou

_ É greve!
_ Não faça isso!
_ Já fiz. Cruzo meus braços!
_ E quem é que vai cuidar de tudo? Seu trabalho é muito importante.
_ Se acham importante, deviam valorizar. Só lembram de mim quando a coisa aperta. Aí eles vêm pedir ajuda, de joelhos, chorando.
_ Isso aí é verdade...
_ Viu só no último domingo? O jogo do São Paulo tava lotado. O show daquela loirinha, que faz playback: fila na porta. E nas igrejas? Meia dúzia de velhotas rezando o terço. Já mandei dilúvio: não me ouviram. Enviei meu filho: nada. Agora quero ver como é que vão fazer.
Dito isso, Deus pegou sua esteira de palha, estendeu sobre uma nuvem mais jeitosa e foi tomar sol, coisa que não fazia desde aquele primeiro domingo, depois da criação.
Quem se deu conta de que alguma coisa estava errada foi Dona Gertrudes, em Santa Rita do Passa Quatro. Quando mais aumentava o fogo, mais frio ficava o leite. Até que a mulher, prática, abriu a geladeira: quase queimou a barriga. Enquanto esperava o leite ferver, no congelador, pensou que alguma coisa realmente grave estava acontecendo.
Em Helsinque, na Finlândia, os cientista debatiam na TV enquanto o povo ia pras ruas, ver o sol azul. Em Buenos Aires, os pires começavam a cair pra cima (as xícaras, misteriosamente, continuaram apoiadas na mesa). Em São Paulo, carros atolaram nos paralelepípedos, que tomaram a consistência de marias-moles. Já as marias-moles, duras como pedras, quebravam os dentes de mais de um desavisado.
O açúcar salgou e o sal adoçou. Água secou e toalha molhou. Beijo doeu, tapa afagou. Cachorro piou, passarinho latiu e um gato em Lisboa fez um discurso inflamado sobre as sardinhas e o expressionismo búlgaro.
São Pedro, desesperado, tentava convecer Deus a retomar suas atividades. Ele, no entanto, estava contentíssimo, lagarteando sobre aquela nuvem.
_ Não volto, Pedro. Tô muito velho pra ficar salvando gato de atropelamento e tirando bola de cima da linha em final de campeonato.
_ Mas, então, o que é que você vai fazer?
Com um sorriso sereno, Deus assoprou. Um vendaval levou a Terra embora, e não sobrou gente, planta ou galinha para contar a história.
_Não fica assim não, meu amigo. Semana que vem eu faço outra, igualzinha, retomo de onde parei e ninguém vai nem de se dar conta de nada.
Então Deus deitou de bruços, sentiu o calor acariciando suas costas e ficou feliz da vida por ter criado o Sol, antes de todas as coisas.